Cabula

 Nota: se procura o bairro da capital da Bahia, veja Cabula (Salvador).

Cabula designa uma religião afro-brasileira surgida na Bahia, no final do século XIX, de caráter secreto, sincretizadora de leque malê, banto e espírita. É classificada como candomblé de caboclo, uma modalidade derivada da nação angola que incorporou o culto dos antepassados indígenas e é considerada como precursora da umbanda. Essa vertente desenvolveu-se principalmente nos estados da Bahia, Espírito Santo, Minas Gerais e Rio de Janeiro.

Olga Cacciatore o definiu como "um culto afro-brasileiro de características sincréticas, com traços de cultura da província de Cabinda, Angola e muçulmana, através da influência malê, identificável pelo gorro usado pelos participantes do ritual".[1]

Etimologia

Segundo Janice Nicolin, em quicongo, 'cabula' significa "lugar de afastamento dos males", já que este é o objetivo do toque musical chamado cabula que antecede os rituais de origem angolanas.[2]

Já para Olga Cacciatore o termo derivaria por corruptela de cabala, termo que teria sido passado pelos malês - islamizados - aos bantos .[necessário verificar][1]

Histórico

O denominado pelas autoridades coloniais como quilombo do Cabula foi desarticulado na noite de 30 de março de 1807. Na ocasião, pequenas comunidades constituídas de escravizados fugidos, negros libertos e raros brancos pobres que viviam na grande área do Cabula foram atacados por uma força militar organizada para destruir possíveis quilombos localizados na periferia de Salvador, Bahia. [3] Mais tarde, viria a se estabelecer na área uma população negra remanescente do Quilombo do Orobó, praticamente dizimado em 1826.

Segundo a descrição preconceituosa realizada na obra de 1934 "O Negro Brasileiro" do médico e antropólogo Artur Ramos, de um ritual existente na capital baiana e identificado possivelmente no final do século anterior, que ele diz ser denominado Acabula[2]

Os primeiros relatos acadêmicos derivam do registro feito, no Espírito Santo, pelo bispo católico D. João Batista Correia Néri em uma Carta Pastoral; seu registro fora inicialmente descoberto por Nina Rodrigues e mais tarde reusado por Artur Ramos, apresentando grandes semelhanças entre o culto ali praticado e aquele registrado no que mais tarde receberia o nome de macumba, no Rio de Janeiro.[1]

D. Néri percebera, durante uma viagem às terras de sua diocese (então composta por todo o território do estado), nas proximidades da cidade de São Mateus, "três freguesias largamente minadas por uma seita misteriosa" que, despertando-lhe a curiosidade, empreendeu então uma investigação onde apurou — pelo depoimento de pessoas de todas as camadas sociais, e durante o espaço de quinze dias — que os participantes ou aqueles que da seita tenham se afastado, teriam de manter em segredo suas práticas sob pena de morte por envenenamento.[1]

A despeito da ameaça, o bispo obtivera dos relatos as informações que fizeram-no concluir que os rituais secretos, praticados principalmente pelos negros e, segundo ele, mais difundidos após a Lei Áurea, contaria na época com cerca de oito mil seguidores, entre negros e brancos.[1]

Segundo o então bispo católico D. João Nery (da diocese que abrange as freguesias ao norte do estado do Espírito Santo em 1963), o adepto desta religião era conhecido pelo termo generalista cafioto usado na macumba carioca (processo de ampliação de sentido).[1]

Liturgia

Assim como na umbanda, o traje ritual era composto de calça e jaleco brancos, com pés descalços; Cacciole informa que havia ainda o gorro (ou camate), ao estilo muçulmano e também "largos cinturões com amuletos"; no rito propriamente a pesquisadora indica que havia espelhos, pedras, cachimbos, infusões com raízes e outros apetrechos dispostos em sinais cabalísticos (como o Signo de Salomão), cruzes e velas (que guardam semelhança, ainda, com a macumba).[1]

As reuniões eram chamadas de "Mesa" e seus cultos, "trabalhos" e "mesas" se davam no meio da mata; o dirigente da Mesa, tal como o sacerdote das religiões dos bantos, se chamava embanda, auxiliado por um cambone; a reunião dos camanás ou iniciados recebia o nome de engira e nestas a incorporação dos "tatás" (espíritos) ocorria — derivado do quimbundo para "pai", indica a presença de um espírito familiar, seguindo a tradição dos bantos de realizarem um transe de possessão (o termo, pronunciado tata, persiste nos terreiros de umbanda que mantém-se fiéis às tradições angolanas).[1]

D. Néri relatou que os rituais podiam ocorrer nas casas, mas mais comumente se davam nas florestas, no meio da noite: "à hora aprazada, todos de camisa e calças brancas, descalços, uns a pé, outros a cavalo, com o embanda à retaguarda, dirigiam-se silenciosos ao templo, o camucite. Um camaná ou um cambone ia à frente, conduzindo a mesa, isto é, a toalha, a vela e pequenas imagens. Em determinado ponto do caminho tomavam uma vereda, só conhecida dos iniciados, para chegar ao camucite, o sítio sob uma frondosa árvore, no meio da mata."[1]

No relato do prelado católico haviam "duas mesas capitulares: a de Santa Bárbara e a de Santa Maria, subdividindo-se em muitas outras, com as mesmas denominações" e que, embora em relatos não confirmados, também haveria uma terceira mesa dedicada a Cosme e Damião e que esta seria "mais misteriosa e mais central e que exercia uma espécie de fiscalização suprema sobre as duas outras e cujos iniciados usavam nas reuniões compridas túnicas pretas, que cobriam o corpo todo, desde a cabeça até os pés, à semelhança do saco dos antigos penitentes".[1]

Era a seguir entoado um primeiro cântico (nimbu) após o qual se dava a possessão do embanda, segundo D. Néri: "o embanda em contorsões, virando e os olhos [com] trejeitos, [batia] no peito com as mãos fechadas e, compassadamente, emitindo roncos profundos, afinal, [dava] um grito estridente, horroroso", ao que a seguir era servido pelo cambono por infusão de raízes ou um copo de vinho.[1]

Novo imbu era entoado dedicado ao "baculo do ar" como se lhes pedissem permissão para que entrasse no transe, caindo por terra (notando aqui uma incoerência no relato do bispo, uma vez que o transe já havia ocorrido após o primeiro canto).[1]

Referências

  1. a b c d e f g h i j k l Valdeli Carvalho da Costa. «Cabula e Macumba». Síntese, nº 41, pp. 65-85, 1987. Consultado em 30 de julho de 2019. Cópia arquivada em 30 de julho de 2019 
  2. a b Janice de Sena Nicolin. «História e Cultura da África Reterritorializada no Cabula - A Sociabilidade Cabuleira». artebagacodeart.art.br. Arquivado do original em 30 de abril de 2014 
  3. Arquivo Histórico Ultramarino, 1807, apud Luciana C. A. Martins; Alfredo E. R. Matta, História pública de resistência quilombola: conexões e potencialidades do museu virtual em 3D do Quilombo do Cabula aplicado ao ensino de História. Revista História Hoje, vol. 10, nº 19.

Ligações externas

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