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Demonologia

"The Damned", afresco da Capela de São Brício, Orvieto, Itália, século XV, pintado por Luca Signorelli.

Demonologia é o estudo sistemático do demônio[1] e suas relações estabelecidas com os seres humanos, nas quais se diferencia, por exemplo, a separação entre bons e maus espíritos[2]. Comumente, essa "ciência do demônio" envolve a análise de textos bíblicos e sagrados, tornando-se, assim, um ramo da Teologia.[3] Essa área de estudo, no entanto, não é atrelada a um culto aos demônios ou a figuras fantásticas, mas possui, a partir de metodologias históricas e antropológicas, um olhar crítico e social sobre a construção de maléficos seres e suas implicações socioculturais[4]. Nessa abordagem, a figura do demônio não é vista como única e imutável, mas sim como historicamente circunscrita.[5]

Demonologia na Época Moderna

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A figura do demônio e de seus colaboradores no mundo terreno, como as bruxas, possuem importante papel na produção teórica durante a Época Moderna, tanto em construções teológicas e no imaginário popular, quanto na produção de conhecimentos científicos. Inclusive, apesar da comum atribuição da caça às bruxas ao período medieval, seu apogeu ocorreu, na realidade, já na modernidade, entre 1560 e 1660[6], em especial em territórios franceses, suíços, escoceses e do findado Sacro Império Romano Germânico, o qual contou com aproximadamente 50 mil condenações por bruxaria[7].

Na obra "Saudação de Ano Novo com Três Bruxas" (1514), de Hans Baldung, é possível observar construção da bruxaria no início da Época Moderna a partir da presença do ato carnal junto à noção de inversão, vista na posição revirada da primeira bruxa (da esquerda para a direita)

A construção do olhar sobre o demônio e as bruxas no período está fortemente conectada com as noções de gênero do período[8], baseadas na inferioridade das mulheres, as quais, por uma essência diferente dos homens e mais atrelada à luxúria e ao ato carnal, possuíam uma natural tendência ao pecado e maior fragilidade com a divina (a palavra feminina, com isso, viria a junção, do latim, de fe e minus, ou seja, menos fé em Deus).[9] O estigma da bruxaria, no entanto, não recaía sobre todas as mulheres, mas sim naquelas que agiam de forma contrária às ações esperada ao gênero feminino, tornando a própria demonologia da época sistematizada a partir de uma fixa oposição entre estereotipadas atitudes consideradas masculinas e femininas[8]. O demônio e a bruxa eram, com isso, a inversão da ordem tida como natural e divina.

A demonologia também esteve atrelada ao desenvolvimento da ciência, especialmente até o final do século XVII, a qual, apesar da revolução científica, ainda acreditava em atividades sobrenaturais, que incluíam a figura demoníaca e a prática de feitiçaria[8]. A partir disso, grandes pensadores da época, como Robert Boyle, Isaac Newton, William Petty e Robert Hooke, escreveram acerca da existência de princípios ocultos da matéria, que não raramente se confundiam com noções demonológicas[8]. Assim, no período moderno, a crença em bruxaria e na influência do demônio na vida humana não se contradiziam com a busca da integridade da ciência[8].

Demonologia Cristã

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Uma das mais extensas exposições sobre demonologia cristã é o Malleus Maleficarum, de Heinrich Kraemer e James Sprenger. Servindo como um guia inquisitorial, a obra discorre acerca da teorização e identificação da ação de bruxas e suas relação, em especial sexual, com o demônio.[5]

A demonologia se refere a catálogos que tentam nomear e definir uma hierarquia de demônios e espíritos malignos. Nesse sentido, a demonologia pode ser vista como uma imagem em espelho ou um ramo da angeologia, que estuda os anjos.[10] O medo relacionado à ação demoníaca, no entanto, não é presente em todas a história cristã, surgindo principalmente a partir das ideias de Tomas de Aquino[2]

Islamismo, judaísmo e zoroastrismo

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No Islã, o demônio "Iblis" (Satã no cristianismo) não era um anjo, mas algo diferente, um "Jinn", visto que os humanos teriam sido criados da terra, anjos oriundos da luz, e o jinn, do fogo. Os "Jinn" não seriam necessariamente maus, poderiam ser bons ou pecadores, assim como os humanos. Portanto, os jinn e humanos seriam as únicas criações de Deus com livre-arbítrio, enquanto anjos só poderiam seguir a vontade de Deus.[11]

Muitos estudiosos acreditam que o judaísmo recebeu originalmente os conceitos de escatologia, angelologia e demonologia do Zoroastrismo[12]. Na tradição do zoroastrismo, Aúra-mazda, força do bem, eventualmente seria vitorioso em uma batalha com a força do mal conhecida como Arimã[13]. No Corão, quando Deus ordenou àqueles que presenciaram a criação de Adão, que se ajoelhassem perante ele, "Iblis" se recusou a fazê-lo, e então foi condenado por recusar a obedecer a vontade de Deus. [14]

Budismo e hinduísmo

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Algumas correntes do budismo afirmam a existência de infernos, frios e quentes[15]. O hinduísmo contém tradições de combates entre seus deuses e vários adversários, como o combate de Indra e Vritra.[16] Outras correntes do budismo usam 6 infernos e demônios apenas como metáforas para estados de consciência, e não utilizam o conceito de pecado, mas sim ação e reação, causa e efeito, karma: Quando uma pessoa comete, por exemplo, algum tipo de violência, poderá ter pensamentos ruins, angústia, arrependimento, insônia, traumas emocionais.[15]

Referências

  1. demonografia in Dicionário infopédia da Língua Portuguesa [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2019. [consult. 2019-05-19 04:37:40]. Disponível na Internet: https://www.infopedia.pt/dicionarios/lingua-portuguesa/demonografia
  2. a b Boureau, Alain (6 de junho de 2016). Satã herético: o nascimento da demonologia na Europa medieval (1280-1330). [S.l.]: Editora da Unicamp. p. 23 
  3. Monteiro, Joaquim (1 de janeiro de 1984). «O Diabo da teologia e a teologia do Diabo». Humanística e Teologia (1). 45 páginas. ISSN 0870-080X. doi:10.34632/humanisticaeteologia.1984.3537. Consultado em 13 de junho de 2025 
  4. Pimentel, Helen Ulhôa (2012). «Demonologia, bruxas e estereótipos». Núcleo de Documentação Histórica. Revista Trilhas da História (2). Consultado em 13 de junho de 2025 
  5. a b Martins, Rafaela Werneck Arenari; Clarindo, Adriely de Oliveira; Campos, Mauro Macedo (31 de agosto de 2024). «A "Caça às Bruxas" pela ótica discursiva no tratado de demonologia Malleus Maleficarum». REVELL - REVISTA DE ESTUDOS LITERÁRIOS DA UEMS (37): 07–33. ISSN 2179-4456. doi:10.61389/revell.v1i37.7754. Consultado em 13 de junho de 2025 
  6. RUSSEL, Jeffrey B.; ALEXANDER, Brooks (2019). História da Bruxaria. São Paulo: Goya. p. 105 
  7. Mainka, Peter Johann (2002). «A BRUXARIA NOS TEMPOS MODERNOS - SINTOMA DE CRISE NA TRANSIÇÃO PARA A MODERNIDADE». História: Questões & Debates (2): 117. ISSN 2447-8261. doi:10.5380/his.v37i0.2705. Consultado em 3 de junho de 2025 
  8. a b c d e CLARK, Stuart (2006). Pensando com Demônios: A Idéia de Bruxaria no Princípio da Europa Moderna. São Paulo: EDUSP 
  9. KRAMER, H.; SPRENGER, J. (1995). Malleus Malleficarum: O martelo das feiticeiras. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos. p. 159 
  10. Toorn, Karel van der; Becking, Bob; Horst, Pieter Willem van der (1999). Dictionary of the deities and demons in the Bible (DDD) 2nd extensively rev. ed ed. Leiden: Brill. Consultado em 13 de junho de 2025 
  11. Martins, Natasha Ferreira; Torres, Maycon; Guimarães, Thamires (18 de dezembro de 2023). «MAGIA E ENCANTAMENTO NO ISLÃ: AMULETOS E PRÁTICA RELIGIOSA POPULAR». Revista Relegens Thréskeia (1). 51 páginas. ISSN 2317-3688. doi:10.5380/rt.v12i1.90960. Consultado em 13 de junho de 2025 
  12. SOARES, Dionísio Oliveira (2009). «As influências persas no chamado judaísmo pós-exílico». Faculdade Teológica Batista de Campinas. Revista Theos. 5 (2) 
  13. «AHURA MAZDĀ». Encyclopaedia Iranica (em inglês). Consultado em 13 de junho de 2025 
  14. Silverstein, Adam (16 de dezembro de 2021). «On the Original Meaning of the Qurʾanic Term al-shayṭān al-rajīm». Journal of the American Oriental Society (1). ISSN 2169-2289. doi:10.7817/jameroriesoci.133.1.0021. Consultado em 13 de junho de 2025 
  15. a b LIBÓRIO, Luiz Alencar (2016). «BUDISMO: COSMOLOGIA E ESPIRITUALIDADE». UNICAP. Paralellus. 7 (15): 459-481. Consultado em 13 de junho de 2025 
  16. TINÔCO, Carlos Alberto (1992). O pensamento védico: uma introdução. São Paulo: IBRASA 

Ligações externas

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